O papo era entre Mano Brown, Seu Jorge e Jeferson De. Os caras estavam falando sobre música, infância, periferia e racismo. Das várias ideias boas, ali compartilhadas, uma me chamou a atenção e me fez pensar neste texto. A frase em questão era mais ou menos assim: “Eu sempre achei as pessoas à minha volta muito vaidosas e estilosas. Esse papo de baixa autoestima do povo preto é uma invenção alheia.”
No exato momento em que escutei essa ideia, resgatei diversos momentos da minha vida, nos quais meus pares sempre me ensinaram a ser vaidoso e a respeitar o código de vestimenta.

Por exemplo, está muito fresco na minha memória o momento em que minha família se arrumava na casa da minha avó para ir ao Baile do Palmeiras – uma festa preta popular na minha cidade natal.
Era um evento à parte o momento da arrumação, um sincretismo de caos e organização! A fila pro banho, o barulho do secador junto com as músicas do Soweto, Katinguelê e as melhores do pagode dos anos 90; as meninas se ajudando nos penteados; os ajustes finais e desesperados nas roupas; a gritaria de alguém alertando os demais sobre o possível atraso; a carona, que funcionava em viagens: primeiro, segundo e terceiro grupo.
Eu, ainda criança, não podia ir para o baile, mas ficava tomado pela emoção e pelas expectativas dos meus. Era lindo ver como a autoestima deles era construída de forma coletiva e afetuosa — bem coisa de preto mesmo! Era lindo ver o tamanho que eles ficavam. A sensação que me passava era que, naquela noite, com aquelas roupas, com aqueles cabelos, só restava aos alheios a admiração ou o choro baixo. Nessa noite, nitidamente, nenhum filho da puta conseguiria estragar a felicidade do meu povo preto.
Hoje, bem mais velho, comungando de outras perspectivas, sei que comprar uma roupa diferente, um tênis foda, deixar o cabelo na risca e passar um perfuminho é minha forma de enfrentar as demandas, minha forma de reverenciar toda uma galera, minha forma de ser gigante — no pique, noite de baile.
Anderson Luiz Esteves
Professor, mestre em história, pesquisador sobre questões raciais e educador popular.



